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Psicologia da Libertação

 



O Hospital Esperança é um nosocômio espiritual, concebido por Eurípedes Barsanulfo, com a finalidade de tratar almas com graves desequilíbrios psíquicos que se desviaram do seu projeto divino original. Um lugar para cuidar e recuperar almas falidas. Nos últimos quarenta anos, essa instituição assistencial percebeu que um montante crescente de espíritos que lá chegava, após o desencarne, era portador de um mal “congênito”, isto é, de uma desarmonia interior comum: enorme vazio existencial que gerava a perda da vontade de viver.

O estudo minucioso desse fenômeno revelou seis causas principais: (1) a falta de sentido do viver; (2) a dor de conflito com a hipocrisia; (3) a fuga da realidade; (4) a ausência de realização afetiva; (5) a ignorância sobre si mesmo e (6) o enfraquecimento da aspiração ao progresso. Para enfrentar essa síndrome da desesperança, aquele hospital espiritual desenvolveu um modelo terapêutico que denominou de Psicologia da Libertação. Uma terapia constituída de técnicas e dinâmicas que funcionam como ferramentas emocionais e psicológicas modeladoras da vida mental cujo grande objetivo é fazer com que cada um reconheça - e vivencie na plenitude - a luz que lhe é inerente.

A Psicologia da Libertação está sustentada num conjunto de princípios, cada um voltado para combater as suas causas geradoras. São eles: (1) o resgate da arte de sonhar; (2) o desenvolvimento da honestidade emocional; (3) a morte da idealização; (4) a educação da carência afetiva; (5) a conquista do autoconhecimento e (6) o sentido de continuidade da vida.

O resgate da arte de sonhar é a estratégia para eliminar a falta de sentido para viver. Sonhar é pensar em crescer, ter metas, desejar progredir, encontrar soluções e vencer suas batalhas. Sonhar é pensar sobre o futuro e quem não sonha não tem planos nem anseios de progresso. Qual seria, porém, o principal sonho do ser humano? Ser feliz. Embora se possa conseguir a felicidade por uma infinidade de maneiras, a partir das expectativas particulares, a filosofia espírita defende que ela pode ser adquirida pela posse do necessário, por uma consciência tranquila e pela fé que se tenha no futuro. Quanto a dor, que é inevitável na atual fase da trajetória humana na terra, convém não tentar encontrar externamente as suas causas, mas na nossa própria intimidade. E todos merecemos ser felizes, aqui e agora, o quanto possível, e não somente após o retorno a vida espiritual.

O desenvolvimento da honestidade emocional é o caminho para enfrentar a dor de conflito com a hipocrisia. Sem a honestidade emocional se viverá na ilusão, aquilo que se pensa que é, mas que não corresponde à realidade. A autoilusão é terrível, haja vista que o espírito intimamente saberá que vive numa farsa que vai corroê-lo continuamente. O único remédio é aceitarmos como somos, estar em paz com a nossa situação atual. Essa aceitação gerará honestidade emocional.

A morte da idealização será utilizada para evitar a fuga da realidade. Novamente a aceitação do nível como se está é essencial. Aceitação que não pode ser confundida com conformismo, até porque aceitar imperfeições é muito diferente que aceitar erros. Aceitar-se é ter a coragem de olhar para si mesmo para analisar as suas reações. Aceitar-se é admitir a si mesmo suas limitações com finalidades de estudá-las para transformá-las. Ao invés de pensarmos o que somos e, como consequência, vivermos o que gostaríamos de ser, mas ainda não somos, processo de idealização, busquemos efetivamente o caminho da mudança, ou seja, sentir o que somos com harmonia, ainda que nos cause muitos desconfortos e trabalhar para ressignifica-la. A idealização leva o cultivo da aparência que gera conflito interior. A mudança promove a reeducação que gera harmonia consigo mesmo. Importante ter em mente que nada sofre destruição e aniquilamento, tudo é transformado e aperfeiçoado na natureza. Na realidade, não se mata o que fomos, conquistamos. Não se extermina com o passado, harmonizamos.

A educação da carência é imprescindível diante do vazio que muitos sucumbem. Carência é um processo de desnutrição que pode ter-se iniciado na infância ou até mesmo em outras reencarnações. Advém de desejos recalcados, expectativas não colimadas, frustrações não superadas. A maior carência que se experimenta é a de afeto e carinho. Sem a educação da carência afetiva descamba-se para a dependência e, nessa direção, para a diminuição da autoestima e, em grau máximo, a autoanulação na luta para se obter uma migalha de afeto do outro. Muitos necessitam urgentemente de uma alfabetização afetiva para desenvolver a sua autonomia.

A conquista do autoconhecimento é essencial para acabar gradualmente a ignorância sobre si mesmo. O primeiro passo para o autoconhecimento é a tomada de consciência de como se está. Saber quais são as emoções e sentimentos que o move. Identificar as tendências naturais e as mazelas morais que carrega. Entrar tranquilamente em contato com a sua sombra. É igualmente importante descobrir e valorizar potenciais e talentos, virtudes e êxitos. O autoconhecimento fará a pessoa inevitavelmente perceber-se como um ser espiritual imortal destinado ao progresso e a felicidade, mediante a melhoria contínua. Apropriadamente, Carl Gustav Jung lembrava que “quem olha para fora, sonha, e quem olha para dentro, desperta.”

Desenvolver o sentido de continuidade da vida funciona como antídoto para desmobilizar o enfraquecimento da aspiração ao progresso. No cotidiano, muitos se prendem demasiadamente ao passado e outros tantos estão sempre conectados ao futuro. A ideia de tempo contínuo possibilitará o alargamento de compreensão da vida, diminuindo a depressão, a ansiedade e o estresse patológico. Sem a noção de continuidade, nossa vida mental não é capaz de centrar-se no presente, onde tudo efetivamente acontece.

Jesus impôs que deveríamos fazer brilhar a nossa luz. Deu uma ordem e não uma sugestão. Apresentou uma proposta terapêutica em que somente com a intensidade da luz é que nos afastaríamos definitivamente das trevas interiores.

Jesus foi mais além. Ensinou, igualmente, que ao conhecer a verdade ela haveria de nos tornar livres. Livres da ignorância, livres das crenças limitadoras, livres das amarras ilusórias da matéria. Livres também para sonhar, vencer desafios, reinventar-se, ter prazer de viver.

Ter prazer de viver é saber tolerar as frustrações, transformando-as em ferramentas de construção de virtudes.

Ter prazer de viver é estar sempre de braços abertos para a vida e para o outro.

Ter prazer de viver é reconhecer que somos os escultores de nosso destino e as únicas criaturas responsáveis por emperrar ou direcionar nossos destinos ao encalço do ideal de ser feliz.

feliz daquele que passa pela vida tendo mil razões para viver, como bem aconselha Hélder Câmara, pois não necessitará mais, depois da vida física, retirar as algemas do pessimismo e da tristeza sem fim.

Carlos Pereira

Texto baseado no livro Prazer de Viver, de Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley Oliveira.

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