quinta-feira, 27 de junho de 2024

Aprendendo com Pai João de Angola - 3

 



Desde o início da instalação do nosso Grupo Espírita Esperança, em Camaragibe, Pernambuco, que tivemos a companhia sempre sábia e bondosa do Pai João de Angola. Com seu jeito carinhoso, mas firme, instrui os nossos trabalhos de maneira geral e, em especial, as atividades de assistência espiritual.

Uma das suas primeiras instruções foi como deveríamos abordar os espíritos que chegassem pelos médiuns. Espíritos sofredores, revoltados, desesperados. A sugestão do diálogo fraterno em oposição à doutrinação tradicional apresentou resultados imediatos e vai ao encontro da proposta de humanização das relações na seara espírita, para os que estão no corpo físico e fora dele. Afinal, como diz adequadamente Carl Gustav Jung, “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Pai João de Angola nos apresentou uma técnica que poderíamos denominá-la de  “Diálogo da Esperança” dividida em cinco etapas: (1) ouça com o coração, (2) aproxime-se pelo afeto, (3) converse fraternalmente, (4) alivie a dor e (5) ofereça esperança.

Ouça com o coração. Escutar é um fenômeno biológico, ouvir é um ato psicológico. Ouvir com o coração, então, é prestar atenção, é estar totalmente voltado para o que o outro pensa, diz e sente. É tentar entender a sua necessidade. Sem recriminação ou preconceito. Ouvir com alteridade, o que pressupõe a empatia. Deixar que aquela alma, em ação psíquica naquele médium, desabafe, coloque para fora os seus traumas, as suas queixas, o seu sofrimento. É como deixar o copo da amargura interior secar para poder iniciar o diálogo. O propósito é sair do clímax do seu tormento existencial.

Aproxime-se pelo afeto. Diante das informações recebidas tente estabelecer aquilo que em psicologia se denomina de rapport. A tentativa de estabelecer uma sincronicidade. Uma aproximação afetiva. Solidarize-se com aquele irmão em dor. Ofereça apoio. Demonstre a sua vontade de ajudar. Ele deve perceber em você um amigo, alguém confiável e nunca um recriminador dos seus atos, um corretor de conduta. A ideia é criar um elo confiável de relacionamento.

Converse fraternalmente. A relação deve ser de iguais, de irmão para irmão. Um diálogo aberto e na perspectiva do futuro. Não é aconselhável, diferentemente do que normalmente se faz nesta ocasião, entrar no mérito do problema que o espírito apresenta. Problema que o angustia há anos, às vezes há séculos, e que não se espera uma solução em dez minutos de conversa como se o dialogador fosse um mago da psiquê humana. A estratégia é tirar o espírito do inferno consciencial que ele transita e tentar identificar qual a dor imediata que poderia ser atenuada. Além do conteúdo que ele já trouxe, esteja atento às inspirações dos amigos espirituais que o auxilia no trabalho assistencial. Peça a colaboração dos médiuns para verificar algo que o perturba naquele momento. A intenção é mudar o foco de seus pensamentos.

Alivie a dor. Com o diagnóstico que atormenta o irmão espiritual, diminua ou aplaque a sua dor. Peça permissão dele antes de agir. Avise que não deseja nada em troca a não ser o prazer de ajudar e talvez a sua amizade. Se for uma dor, aplique uma “injeção”, ofereça um comprimido, dê uma água magnetizada. Se for um corte, limpe a área enferma, medique uma pomada no local e proteja com atadura. Se estiver sujo, banhe-o. E assim por diante. O que se espera é trazê-lo para a calma interior.

Ofereça esperança. Estabelecida a confiança e retirada a dor que o incomodava, informe que é necessário continuar o tratamento e se ele concordar será levado a um lugar seguro e que sairá de lá restabelecido. Apresente o amigo espiritual que vai acolhê-lo de agora em diante. Mostre perspectivas de melhora e de mudança de vida. Vislumbre para ele um futuro diferente. O que se deseja é cuidá-lo com efetividade e ajudá-lo no seu reencontro interior em direção a retomada de seu progresso espiritual.

O “Diálogo da Esperança”, proposto pelo Pai João de Angola, é uma metodologia amorosa de assistência espiritual. Um acolhimento afetivo. Uma conversa de coração para coração. Um encontro de irmãos em Cristo. A esperança de novamente ser feliz.

E felizes serão os aflitos porque serão consolados.

Carlos Pereira


Aprendendo com Pai João de Angola - 2

 



É comum no final das atividades do Grupo Espírita Esperança que tenhamos a comunicação dos espíritos que atuaram naquele dia. Muitas vezes, o coordenador espiritual da casa, Pai João de Angola, vem dar o seu recado. Sempre com aquele ar descontraído, mas carregado de muita sabedoria, ele deixa um conteúdo interessante para nossa reflexão. 

Certa vez ele se referiu aos frequentadores que chegam à casa espírita. Normalmente, sabemos, que as pessoas querem ver resolvidos os seus problemas imediatamente, possivelmente imaginando que as casas espíritas possuem algo de mágico que, num estalar de dedos dos espíritos, as dificuldades desaparecem. 

Muitas pessoas que procuram a casa espírita, na realidade, sequer são espíritas. Não compreendem direito o mecanismo de funcionamento das coisas espirituais e creem que aquilo que pesa nos seus ombros vai mesmo ser facilmente arrastado. Elas querem é se ver livres. Descarregadas. Voltarem às suas vidas normais. 

Se o problema é obsessão, que se mande embora o espírito obsessor. 

Se o problema é de vidas passadas, que se dê um jeito de pagar o débito de outro jeito. 

Se o problema é energético, que se ministre um passe potente para livrar de todas as mazelas.

É neste contexto de rápido alívio que Pai João de Angola faz a sua consideração. 

- Tem fio que acha que casa espírita é cabide. Casa espírita não é cabide não, muzanfio. Os fio acredita que é só chegar e colocar os seus problemas no cabide da casa espírita e ir embora. Não é assim que ocorre não, muzanfio. Os problemas têm origem, na maioria das vezes, no próprio fio. É ele a causa e, ao mesmo tempo, a solução dos problemas que carrega.  

Efetivamente, Pai João de Angola tem toda razão. Se buscarmos a causa das causas, a causa raiz dos problemas das pessoas, vamos encontrar nela mesma a origem do que está passando. 

Se o problema é de obsessão, há ali um vínculo de afinidade ou de ajuste em curso que necessita ser identificado, tratado, encaminhado e corrigida a sua fonte. 

Se o problema é de vidas passadas, há ali um aprendizado a ser tirado para não mais se repetir agora e nas próximas experiências existenciais. 

Se o problema é energético, há ali uma desarmonia que deve ser identificada para eliminar a sua contínua manifestação. 

Quando a casa espírita atende o paciente na sua urgência funciona, naquela ocasião, como um hospital, uma espécie de UPA espiritual. Representam os primeiros socorros, no entanto, cessada a queixa inicial, deve-se investigar a causa daquele mal. Este processo é de reeducação pela dor. 

O passo seguinte é o autoconhecimento. A identificação pela própria pessoa do que está provocando o desconforto. A próxima etapa é elaborar um plano de ação para diminuir ou quiçá extirpar o fator gerador do desequilíbrio. É a tal da reforma íntima. Este processo é de educação pelo amor.

Pai João de Angola recomenda que devemos amparar a todos sem demora e aplacar, o máximo que puder, as dores do corpo e da alma, mas imediatamente deve alertar ao paciente.

- Fio, se possível, não deixe a casa espírita depois de resolver os seus problemas que trouxeram você aqui. O cabide, muzanfio, é seu, não é nosso não. Nós vai ajudar você a encaminhar seus problemas, mas não esqueça que a responsabilidade de melhorar é sua. Tome de volta que o cabide é seu, muzanfio.

É, cada um com seu cabide... 


Carlos Pereira

Aprendendo com Pai João de Angola - 1

 



O que esperar de uma casa espírita?


Se procuramos um ambiente doutrinário apenas na esperança de resolver os nossos problemas teremos uma enorme decepção porque uma casa de amor não prometerá uma ajuda instantânea naquilo que você precisa. Ela te dirá quais as razões do seu infortúnio e procurará encontrar com você as soluções adequadas para o equacionamento de seus problemas.

Quem sabe se tal solução não está dentro de você mesmo? Na realidade, digo sem pestanejar, que toda ela se encontra em você.

Se tivermos esta perspectiva, de que qualquer caminho de saneamento das nossas dificuldades  está no imo do nosso próprio espírito, esperaremos outro papel  de uma casa espírita e não um centro salvacionista da sua alma.

Tudo que você precisa saber é o que você deve saber sobre você mesmo, isto é, o autoconhecimento. O autoconhecimento é a chave de todo problema a ser resolvido. Tudo, no final, depende de você.

Encarando a casa espírita como ponto de referência para sua autoajuda, diminuirá a responsabilidade exterior e nos concentraremos nas causas interiores, e aí tudo será amainado e a casa espírita dará um contributo essencial neste processo.

Se, porém, tivermos apenas a intenção de buscar um alívio sem procurar a raiz dos problemas, então a função de um centro espírita será menor e não se deve esperar a solução dos seus problemas, mas unicamente o alívio desejado. Alívio não significa cura. Representa, tão-somente, a diminuição temporária da pressão infringente que, com o tempo, não modificada a forma de comportamento, retornará inevitavelmente.

Quem quer se curar de verdade deve buscar em si mesmo a causa e a solução de seus problemas. É difícil? Talvez, mas não existe outro caminho para auto iluminação.

Se estiver disposto à auto solução dos problemas passe imediatamente a se auto-corrigir de seus comportamentos dúbios e inferiores. Busque moldar-se, a começar pelo pensamento, e depois você verá que, aos poucos, mudanças substanciais começarão a ocorrer na sua vida. 

Não espere transformações espetaculares, mas crescimento íntimo contínuo. Com decepções e frustrações, é verdade, mas também progressos efetivos de comportamento. Com isso, alavancará o impulso necessário de soerguimento espiritual.

Você, meu amigo, minha amiga, que está numa casa espírita, seja fiel a você mesmo e não busque no outro caminho que não seja na autodescoberta e no autodesenvolvimento.

Você é o que quiser ser e nada vai lhe levar até onde você não queira. Seja sempre senhor do seu destino.

Pai João de Angola


Texto recebido por Carlos Pereira

terça-feira, 25 de junho de 2024

A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito - 2

 



Hoje se destaca o centro espírita como escola de Espiritismo quando o futuro acena para que ele se promova à condição de Escola do Espírito. Como escola de Espiritismo os conteúdos doutrinários são mais valorizados que o homem, enquanto o foco na escola do Espírito converge às finalidades da agremiação para o “ser”, ou seja, sobre a complexidade existencial da criatura, suas necessidades, seus valores, suas habilidades. Precisamos promover a casa espírita de mera escola de estudos sistematizados e planejados para um centro de convivência e treinamento para desenvolvimento dos traços morais da regeneração.

É necessário humanizar a seara espírita, isto é, contextualizá-la, que é oferecer aos profitentes espíritas os instrumentos para que possam fazer dessa informação espírita a sua transformação espiritual. Contextualizar é humanizar a seara. Contextualizar é descobrir horizontes, respostas, caminhos. É construir o saber espírita através do autoconhecimento. O centro espírita, assim entendido, precisa ensinar o amor, educar o afeto. Eis o grande desafio no capítulo da transformação interior do ser. Nesta nova realidade proposta, a casa espírita apresenta-se como escola social das relações sinceras e duradouras, verdadeiro núcleo de treinamento da convivência regenerativa.

Para criação de relações afetivas sinceras impõe-se acabar com o artificialismo. Vejamos algumas características de ambientes espíritas artificiais: (1) maior possibilidade de criação e manutenção das máscaras emocionais que escondem uma pseudoharmonia; (2) campo para condutas estereotipadas provenientes de interpretações destituídas de bom senso; (3) ausência de ambiente para o debate crítico e avaliação sincera; (4) ambiente favorável para a hipocrisia e o puritanismo; (5) adubo para melindres; (6) ensejo para a adoção de “gurus” nos dois planos da vida gerando a idolatria; (7) larga porta para a desmotivação com o trabalho em razão de uma convivência desgastante e sem o enriquecimento de trocas; (8) desvalorização das habilidades cooperativas; (9) ambiente psiquicamente desagradável devido às opressões guardadas em silêncio; (10) ausência do diálogo como instrumento condutor de amizade sólida e (11) clima de desconfiança.

O fortalecimento de laços de afeto na seara espírita propiciará a confiança, a simpatia, a amizade, a alegria que geram o bem-estar para a convivência e terá como reflexo também a carinhosa indulgência com os limites e imperfeições no conjunto; melhores chances de converter os conflitos em lições; a valorização e compartilhamento das ideias e movimentações no bem uns pelos outros, sobretudo baseado em valores.

Não se poderá, porém, promover a afetividade sem que se exercite a alteridade. Alteridade é o estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes, a capacidade de conviver bem com a diferença do qual o “outro” é portador. A ética da alteridade consiste basicamente em saber lidar com o outro, o diferente, o oposto, o distinto, o incomum ao mundo dos nossos sentidos pessoais, o desigual, que na sua realidade deve ser respeitado como é e como está, sem indiferença ou descaso, repulsa ou exclusão, em razão de suas particularidades. Conviver com os contrários e aprender a amá-los na sua diversidade constitui desafio ético aos grupamentos espiritistas no campo da alteridade. O Amor é sempre rico de alteridade e não existe sem ela.
           
A construção de laços de afeto no centro espírita deve começar por uma recepção fraterna aquele que chega em nossas searas, continuando com um atendimento fraterno e uma integração fraterna nas atividades.
           
Outro desafio a ser superado no centro e no movimento espírita de maneira geral é o teste dos cargos. Os cargos em si mesmos não são o problema. Eles são necessários para a disciplina, a ordem e o progresso das instituições. A relação de apego travada com os cargos é que podem constituir graves problemas para nossas sociedades. O teste dos cargos é uma aferição de desprendimento e humildade. Assumir responsabilidade junto a rótulos de poder significa teste de competência e abnegação. O dirigente é o principal responsável pela promoção afetiva na sua casa espírita e o construtor de iguais relações no movimento espírita.
           
Transformar o centro espírita em educandários do amor esta a meta a ser perseguida, cujo objetivo precípuo seja a formação do homem de bem. Primeiramente deve começar pelo autoamor, eliminando com a “cultura do sofrimento”. Esse autodesamor é subproduto do atávico religiosismo que edificamos no psiquismo, em séculos de superficialidade moral. Exercitar o amor em todos os ambientes afinal, como bem lembrou o Mestre do Amor: “Meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem”. 

Carlos Pereira

Texto inspirado do livro "Laços de Afeto, Caminhos do Amor na Convivência", de Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley de Oliveira.

A Pedagogia do Afeto na Educação do Espírito - 1

 


O afeto é um dos pilares do desenvolvimento humano saudável. Uma habilidade que abre largas portas para a entrada do Amor, porque ser afetivo é laborar com o sentir. Diríamos assim que a afetividade é um degrau para o Amor. Afeto é uma força da alma de incalculável poder. Por essa razão, especialmente nesse tempo de materialismo e do império da razão, nossas casas de Amor devem fixar-se na função social reeducativa do sentimento, aprimorando-se cada vez mais para honrar o título de escola da alma, desenvolvendo pessoas felizes, realizadas, dignas e solidárias.

Aprender a amar é, pois, a competência essencial que deveria fundamentar quaisquer conteúdos de nossas escolas espirituais. Aprender a amar o próximo, aprender a amar a si e aprender a amar a Deus.

E como ensinar o Amor no centro espírita? É preciso contextualizar o conteúdo espírita abstraindo o excesso de informações e trazê-lo para a realidade de seu grupo, priorizar respostas, soluções, discutir vivências, refletir sobre horizontes novos de velhos temas do viver, reinventar a vivência em direção aos apelos da consciência, propiciar à criatura externar sonhos, limitações e valores já conquistados, fazendo da sala de estudos espíritas um laboratório de ideias na ampliação da capacidade de pensar com acerto, lógica e bom senso. Isso se chama educar.

A pedagogia do ser prioriza o homem, sua experiência pessoal, o relacionamento humano, tendo como pólo de atração o idealismo, possibilitando que as casas espíritas criem grupos que se amam e se querem bem.

Aprender a amar, portanto, é essencial para cada um, mas é preciso ter consciência que amar é uma aprendizagem e que conviver é uma construção. Não existe Amor ou desamor à primeira vista, e sim simpatia ou antipatia. Amor não pode ser confundido com um sentimento ocasional e especialmente dirigido a alguém. Devemos entender o amor com o Sentimento Divino que alcançamos a partir da conscientização de nossa condição de operários na obra universal, um “estado afetivo de plenitude”, incondicional, imparcial e crescente.

Ninguém ama só de sentir. Amor verdadeiro é vivido. O atestado de Amor verdadeiro é lavrado nas atitudes de cada dia. O Amor é crescente no tempo e uniforme no íntimo, não tem hiatos. Amor não é empréstimo Divino para o homem e sim aquisição de cada dia na aprendizagem intensiva de construir relacionamentos propiciadores de felicidade e paz. E esse sentimento sublime carece aprendizagem, somente um recurso poderá promover semelhante conquista: a educação.

A meta maior do Espiritismo é o melhoramento da humanidade, a educação integral do homem bio-sócio-psíquico-espiritual. Allan Kardec, influenciado pelo educador Pestalozzi, declarou em O Livro dos Espíritos (comentário a p. 917) que “a educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral”. Educação harmônica do ser, que implica fazer crescer o intelecto, o afeto e a ação, não sendo demais afirmar que a coerência entre pensar, sentir e fazer, respondem pelo equilíbrio integral do ser. Em resumo, poderíamos afirmar que educação é transformar impulsos e desenvolver potencialidades.
               
A partir destes conceitos, verificamos o centro espírita e sua importância como educandário do Amor face à didática estimuladora de conhecimentos e da vivência através da ampliação do saber e de transformação do caráter. Neste sentido, a fraternidade, expressando a síntese das virtudes cristãs, é a meta ética de todo o corpo filosófico e científico do Espiritismo.
               
Nos programas doutrinários para a educação do afeto nas relações, destacamos algumas importantes lições a serem estudadas e exercitadas: (1) conhecer os sentimentos; (2) adquirir o controle sobre as reações emocionais; (3) saber conviver harmoniosamente com os sentimentos maus; (4) saber revelar seus sentimentos com assertividade; (5) exercitar a sensibilidade e (6) expressar o afeto na convivência.
               
O centro espírita pode oportunizar a valorosa e preenchedora experiência do Amor auxiliando o homem na reeducação de suas tendências, no conhecimento de si, no exercício da solidariedade material e relacional e na supressão do personalismo, que permitirá o potencial afetivo dirigido a realizações nobres e gratificantes. Caridade! O melhor exercício para a sensibilidade.

Como identificar a qualidade das relações afetivas na casa espírita? Eis alguns indicadores interessantes: (1) motivação do espírito de equipe; (2) valorização da capacidade cooperativa de qualquer pessoa; (3) promoção através da delegação, criando o policentrismo sistêmico; (4) investimento na capacitação do trabalhador como pessoa e ser social e (5) o ensejamento de realizações específicas para a revitalização do afeto em grupo.

Carlos Pereira

Adaptação do livro Laços de Afeto, Ermance Dufaux, psicografia de Wanderley Oliveira.


Psicologia da Libertação

 



O Hospital Esperança é um nosocômio espiritual, concebido por Eurípedes Barsanulfo, com a finalidade de tratar almas com graves desequilíbrios psíquicos que se desviaram do seu projeto divino original. Um lugar para cuidar e recuperar almas falidas. Nos últimos quarenta anos, essa instituição assistencial percebeu que um montante crescente de espíritos que lá chegava, após o desencarne, era portador de um mal “congênito”, isto é, de uma desarmonia interior comum: enorme vazio existencial que gerava a perda da vontade de viver.

O estudo minucioso desse fenômeno revelou seis causas principais: (1) a falta de sentido do viver; (2) a dor de conflito com a hipocrisia; (3) a fuga da realidade; (4) a ausência de realização afetiva; (5) a ignorância sobre si mesmo e (6) o enfraquecimento da aspiração ao progresso. Para enfrentar essa síndrome da desesperança, aquele hospital espiritual desenvolveu um modelo terapêutico que denominou de Psicologia da Libertação. Uma terapia constituída de técnicas e dinâmicas que funcionam como ferramentas emocionais e psicológicas modeladoras da vida mental cujo grande objetivo é fazer com que cada um reconheça - e vivencie na plenitude - a luz que lhe é inerente.

A Psicologia da Libertação está sustentada num conjunto de princípios, cada um voltado para combater as suas causas geradoras. São eles: (1) o resgate da arte de sonhar; (2) o desenvolvimento da honestidade emocional; (3) a morte da idealização; (4) a educação da carência afetiva; (5) a conquista do autoconhecimento e (6) o sentido de continuidade da vida.

O resgate da arte de sonhar é a estratégia para eliminar a falta de sentido para viver. Sonhar é pensar em crescer, ter metas, desejar progredir, encontrar soluções e vencer suas batalhas. Sonhar é pensar sobre o futuro e quem não sonha não tem planos nem anseios de progresso. Qual seria, porém, o principal sonho do ser humano? Ser feliz. Embora se possa conseguir a felicidade por uma infinidade de maneiras, a partir das expectativas particulares, a filosofia espírita defende que ela pode ser adquirida pela posse do necessário, por uma consciência tranquila e pela fé que se tenha no futuro. Quanto a dor, que é inevitável na atual fase da trajetória humana na terra, convém não tentar encontrar externamente as suas causas, mas na nossa própria intimidade. E todos merecemos ser felizes, aqui e agora, o quanto possível, e não somente após o retorno a vida espiritual.

O desenvolvimento da honestidade emocional é o caminho para enfrentar a dor de conflito com a hipocrisia. Sem a honestidade emocional se viverá na ilusão, aquilo que se pensa que é, mas que não corresponde à realidade. A autoilusão é terrível, haja vista que o espírito intimamente saberá que vive numa farsa que vai corroê-lo continuamente. O único remédio é aceitarmos como somos, estar em paz com a nossa situação atual. Essa aceitação gerará honestidade emocional.

A morte da idealização será utilizada para evitar a fuga da realidade. Novamente a aceitação do nível como se está é essencial. Aceitação que não pode ser confundida com conformismo, até porque aceitar imperfeições é muito diferente que aceitar erros. Aceitar-se é ter a coragem de olhar para si mesmo para analisar as suas reações. Aceitar-se é admitir a si mesmo suas limitações com finalidades de estudá-las para transformá-las. Ao invés de pensarmos o que somos e, como consequência, vivermos o que gostaríamos de ser, mas ainda não somos, processo de idealização, busquemos efetivamente o caminho da mudança, ou seja, sentir o que somos com harmonia, ainda que nos cause muitos desconfortos e trabalhar para ressignifica-la. A idealização leva o cultivo da aparência que gera conflito interior. A mudança promove a reeducação que gera harmonia consigo mesmo. Importante ter em mente que nada sofre destruição e aniquilamento, tudo é transformado e aperfeiçoado na natureza. Na realidade, não se mata o que fomos, conquistamos. Não se extermina com o passado, harmonizamos.

A educação da carência é imprescindível diante do vazio que muitos sucumbem. Carência é um processo de desnutrição que pode ter-se iniciado na infância ou até mesmo em outras reencarnações. Advém de desejos recalcados, expectativas não colimadas, frustrações não superadas. A maior carência que se experimenta é a de afeto e carinho. Sem a educação da carência afetiva descamba-se para a dependência e, nessa direção, para a diminuição da autoestima e, em grau máximo, a autoanulação na luta para se obter uma migalha de afeto do outro. Muitos necessitam urgentemente de uma alfabetização afetiva para desenvolver a sua autonomia.

A conquista do autoconhecimento é essencial para acabar gradualmente a ignorância sobre si mesmo. O primeiro passo para o autoconhecimento é a tomada de consciência de como se está. Saber quais são as emoções e sentimentos que o move. Identificar as tendências naturais e as mazelas morais que carrega. Entrar tranquilamente em contato com a sua sombra. É igualmente importante descobrir e valorizar potenciais e talentos, virtudes e êxitos. O autoconhecimento fará a pessoa inevitavelmente perceber-se como um ser espiritual imortal destinado ao progresso e a felicidade, mediante a melhoria contínua. Apropriadamente, Carl Gustav Jung lembrava que “quem olha para fora, sonha, e quem olha para dentro, desperta.”

Desenvolver o sentido de continuidade da vida funciona como antídoto para desmobilizar o enfraquecimento da aspiração ao progresso. No cotidiano, muitos se prendem demasiadamente ao passado e outros tantos estão sempre conectados ao futuro. A ideia de tempo contínuo possibilitará o alargamento de compreensão da vida, diminuindo a depressão, a ansiedade e o estresse patológico. Sem a noção de continuidade, nossa vida mental não é capaz de centrar-se no presente, onde tudo efetivamente acontece.

Jesus impôs que deveríamos fazer brilhar a nossa luz. Deu uma ordem e não uma sugestão. Apresentou uma proposta terapêutica em que somente com a intensidade da luz é que nos afastaríamos definitivamente das trevas interiores.

Jesus foi mais além. Ensinou, igualmente, que ao conhecer a verdade ela haveria de nos tornar livres. Livres da ignorância, livres das crenças limitadoras, livres das amarras ilusórias da matéria. Livres também para sonhar, vencer desafios, reinventar-se, ter prazer de viver.

Ter prazer de viver é saber tolerar as frustrações, transformando-as em ferramentas de construção de virtudes.

Ter prazer de viver é estar sempre de braços abertos para a vida e para o outro.

Ter prazer de viver é reconhecer que somos os escultores de nosso destino e as únicas criaturas responsáveis por emperrar ou direcionar nossos destinos ao encalço do ideal de ser feliz.

feliz daquele que passa pela vida tendo mil razões para viver, como bem aconselha Hélder Câmara, pois não necessitará mais, depois da vida física, retirar as algemas do pessimismo e da tristeza sem fim.

Carlos Pereira

Texto baseado no livro Prazer de Viver, de Ermance Dufaux, pela psicografia de Wanderley Oliveira.

Apometria com o Cristo - 2

 



A tendência para todo aquele que aceita trabalhar para a Doutrina Espírita é esperar êxito em todas as suas iniciativas. O prazer de servir e a boa intenção seriam os requisitos suficientes para se obter o resultado desejado.

Ora, sabemos que determinadas disfunções espirituais, sobretudo aquelas de origem anímica, necessitam de um longo tempo de recuperação, enquanto as causas daqueles acontecimentos não sejam reparadas e o reencarnante ou o espírito aprenda sobre o delito do passado.

Esta constatação deve servir preventivamente para o trabalhador apométrico prático.

Quando são submetidos os casos para o tratamento apométrico deve-se avaliar se as condições ideais para resolução daquela pendência estão devidamente equacionadas, caso contrário, será uma iniciativa sem êxito, apesar das melhores intenções dos trabalhadores.

Cada caso é um caso, como observa o ditado popular, e ele é absolutamente pertinente no trabalho apométrico.

Cada caso traz em si um emaranhado de fatos que devem ser estudados para que se proceda o devido diagnóstico e o posterior tratamento de acordo com a necessidade detectada.

Apesar do conhecimento apométrico representar um excelente ferramental para o cuidado de diversos casos, ele não esgota em si mesmo – e nunca foi esta a sua intenção – a chave para a solução de todos os problemas espirituais.

Quando se traz um caso para tratamento pelo método apométrico deve-se ter esta preocupação básica, ou seja, questionar-se se o caso realmente se presta para o tratamento apométrico.

Esta pergunta fundamental se dá para que a Apometria não seja encarada como uma panaceia responsável em curar todos os problemas espirituais, do mais básico ao mais complexo.

Estudar seriamente a Apometria é saber reconhecer suas possibilidades e limites, caso contrário, ela será distorcida de seus propósitos elementares.

O desconhecimento dessa máxima tem afastado muita gente que poderia utilizá-la nos seus trabalhos terapêuticos espirituais, mas que diante mão não a encara como uma disciplina séria.

A Apometria possui os seus limites, é verdade, mas o seu alcance é de grande valia para uma quantidade de casos que normalmente ficaria sem resposta na casa espírita.

Se as pessoas que fazem o Espiritismo, a exemplo de Allan Kardec, somente desferissem uma crítica qualquer após estudar detalhadamente o fenômeno dado, encontrariam na Apometria um excelente remédio para uma série de males daqueles que pedem socorro na casa espírita, ávidos de serem curados em suas mazelas espirituais e energéticas.

Estudar seriamente a Apometria requer dedicação constante e nunca acreditar que está suficientemente preparado para atender qualquer demanda que lhe chegue às mãos.

Somos favoráveis que a Apometria se junte a outros métodos que possam auxiliar o ser devedor e sofredor que procure o núcleo espírita, no intuito de socorrê-lo o mais eficientemente em suas dores físicas e espirituais.

Sendo mais um método de apoio de atendimento espiritual, é possível que a Apometria seja encarada com menos preconceito e seja disponibilizada para um número maior de pacientes.

Estejamos sempre conscientes que o Espiritismo não guarda todas as respostas da humanidade, mas nenhum delas será respondida sem que se evoque algum dos seus postulados fundamentais.

Estejamos conscientes também que o propósito maior daquele que se propõe a servir ao Cristo é colocar-se a postos para isso e não ignorar os recursos que sejam ofertados para a ajuda ao próximo.

O Cristo curou o cego com lama.

Fez “mortos” despertarem de seus leitos.

Curou à distância sob o efeito de seu magnetismo.

Afirmou inclusive que todos nós poderíamos repetir os seus atos, ou fazer bem mais. Então, exercitemos a nossa qualidade herdada de filhos de Deus.

Se tens fé – e não é necessária que ela seja gigante – asseverou, igualmente, que poderíamos produzir prodígios se acreditássemos nas nossas potencialidades espirituais. Façamos, então, este exercício.

Jesus a tudo vê e ampara àqueles que conclamam em seu nome. Acredite e ponha-se ao serviço redentor de ajudar o outro.

Há muitos que desejam a cura de seus corpos e almas e você, trabalhador do Cristo, pode e deve fazer aquilo que esteja a seu alcance.

Acreditemos que Jesus atenderá ao apelo feito por todo aquele que o fizer de bom coração.

Pai João de Angola

Texto recebido por Carlos Pereira em 29.09.2019.


Apometria com o Cristo - 1

 



O que fazer para servir ao Cristo?

Esta pergunta deve ser feita por cada um que deseja estar à disposição do serviço redentor conduzido por Jesus.

Esta pergunta, antes de ir ao encontro das mentes imbuídas em acumular conhecimentos, deve ir ao encontro dos corações que desejam firmemente serem úteis ao próximo.

A tendência de muitos servidores do Cristo é correr naturalmente à busca de livros. Eles são absolutamente necessários para que o trabalho com o Cristo seja consequente e responsável, no entanto, sem que este conhecimento esteja ancorado na prática caritativa, todo um trabalho de boas intenções pode redundar em equívocos e dissensões. Servir ao Cristo deve estar associado ao despojamento de si mesmo e na entrega intensa de ajudar ao outro.

Neste contexto redencionista, a Doutrina Espírita e outras doutrinas espiritualistas podem vir a desenvolver métodos de colaboração neste exercício de amor ao próximo. Entre as diversas metodologias que estão à disposição do socorro espiritual está a Apometria.

A Apometria em si não será útil se, igualmente, não estiver amparada no desejo sincero de servir sem esperar qualquer reconhecimento para esse intento.

Na busca para a melhoria do corpo e do espírito, a Apometria tenta trazer a responsabilidade pela cura para própria pessoa que passa, momentaneamente, por algum tipo de enfermidade física ou espiritual.

A Apometria, como a Doutrina Espírita e o próprio Jesus, chama a atenção para a responsabilidade individual no progresso espiritual. Abandona a tese assistencialista para a autonomia psíquica na construção de seu próprio destino.

A Apometria não representa um movimento apartado da doutrina espírita, até porque retira dela os seus principais postulados e consistência teórica, e sua atuação induz a todo atendido a necessidade de utilizar meios em que seja, ele mesmo, o protagonista da sua melhoria.

Jesus asseverou-nos que ao conhecermos a verdade, ela haveria de nos libertar, pois bem, ao conhecer o regimento das leis espirituais e magísticas, o trabalhador no Cristo sente-se espontaneamente capaz de ajudar os outros a encontrarem seus caminhos de cura.

A Apometria está para a Doutrina Espírita, o que o Evangelho está para a filosofia dos imortais, um instrumento de ajuda espiritual concreto para o crescimento dos que levam à sério a sua autonomia espiritual.

Erra aquele que imagina que a Apometria seja, tão-somente, um ajuntamento de técnicas. Não é este o seu propósito. À exemplo do Cristo Jesus, conclama do mesmo modo: “Vais e não peques mais”.

A Apometria sem o aporte do Evangelho se tornará uma demonstração de exibicionismo anímico.

Utilizem a Apometria como mais uma possibilidade de servir ao Cristo. Representa um método poderoso para que as pessoas despertem para a sua responsabilidade maior de transformar-se. Este sim, o grande objetivo do Cristo, da doutrina espírita e da Apometria, haja vista que o espírito sadio não guarda o entulho das imperfeições.

Acolhamos com o Cristo e avante nas transformações do espírito imortal.

Pai João de Angola

Texto recebido por Carlos Pereira em 28.09.2019

Casa Espírita e Senzala

 



Mais de cento e trinta e cinco anos depois da abolição da escravatura negra seria teoricamente perda de tempo examinar resquícios daquela realidade desigual na sociedade brasileira. Não é. Ainda há focos de discriminação e racismo em muitas áreas.  Numa, em especial, parece prescindir da necessidade da adoção de uma espécie de segunda abolição da condição negra: os ambientes espirituais das casas espíritas.
O ambiente doutrinário das casas espíritas, de maneira geral, não abriga a presença dos “espíritos dos negros” nas suas práticas mediúnicas, há, em muitos casos, uma discriminação velada associando-os a atraso intelectual e moral, quando não à qualidade de entidades obsessoras. Duas razões básicas podem ser atribuídas a este comportamento equivocado: preconceito cultural e ignorância doutrinária.
PROMOVENDO UMA MUDANÇA CULTURAL
Etnocentrismo é o conceito utilizado para definir o comportamento da pessoa que vê o mundo através da sua cultura e tende a considerar o seu modo de vida como o mais correto e natural. Enxerga a realidade pelas lentes das suas próprias concepções e aquilo que foge ao padrão aceitável na comunidade na qual está inserida tende a discriminar o comportamento. Este fenômeno cultural é transferido para os ambientes espíritas à medida que se caracterizou como inferior as matrizes de manifestação espiritual dos negros do ponto de vista evolutivo.
Herdou-se, na prática, a concepção de uma elite que considera cultura superior aquela que viesse de “povos culturalmente mais desenvolvidos”, como a Europa, por exemplo. A ideia de elite cultural ocidental foi transplantada também para as sessões mediúnicas das casas espíritas, onde espíritos de intelectuais, profissionais liberais e padres, todos brancos, representariam uma condição espiritual igualmente superior. Os negros, ex-escravos, são considerados os selvagens, com práticas espirituais associadas à feitiçaria, necessitados assim da “catequização”, ou melhor, da doutrinação espírita.
Onde está a raiz deste desencontro cultural? Há uma data marcada que pode simbolizar o rompimento da possível convivência espiritual negra nos ambientes espíritas: 15 de novembro de 1908 - data de criação da Umbanda.
Zélio de Moraes, um jovem de 17 anos, estava psiquicamente perturbado. Era afetado por mudança de personalidade repentina quando através dele outras pessoas (mortas) se expressavam. Levado a então Federação Espírita de Niterói por seu pai, de convicção espírita, incorporou, na sessão mediúnica, uma entidade que se denominava Caboclo das Sete Encruzilhadas. Sua postura foi rechaçada pelos presentes, apesar de ser reconhecido, pela vidência mediúnica, na figura de um padre. Depois do episódio, no dia seguinte, a entidade funda a Umbanda, espaço onde os espíritos dos pretos-velhos africanos, que haviam sido escravos, e os índios, além de espíritos de qualquer cor, raça, credo ou posição social, poderiam se apresentar para a convivência espiritual partilhada.
Como seria o Espiritismo no Brasil se tivesse ocorrido uma convergência de interesses entre os representantes da doutrina espírita da época e as identidades espirituais da matriz cultural local?
Este questionamento se torna pertinente porque a filosofia espírita, recém-introduzida no País no século 20, trazia, entre seus protagonistas espirituais, personalidades de identidade cristã (João Evangelista, Erasto, Paulo etc.), de identidade católica (Fénelon, Santo Agostinho, São Luis etc.) e de identidade europeia (Sansão, Pascal etc.). Nada mais natural, afinal, esta era a matriz de cultura espiritual que Allan Kardec encontrou, já que foi lá, especialmente na França, a sua origem. O que não era razoável conceber – e foi o que predominou – é que esta matriz espiritual fosse considerada superior à matriz espiritual brasileira formada por negros e índios – e também os portugueses. Neste embate, infelizmente, preponderou o viés cultural. Ontem e ainda hoje.
SUPERANDO A IGNORÂNCIA DOUTRINÁRIA
É compreensível, portanto, que o ambiente cultural do País tenha influenciado o comportamento das casas espíritas, mas não se justifica, porém, que ela tenha se mantido, e o que é pior, que este equívoco doutrinário permaneça atualmente.
Em “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec indaga aos espíritos sistematizadores da filosofia espírita se “um homem que pertence a uma raça civilizada poderia, por expiação, reencarnar em uma raça selvagem?”. Eles asseveraram que isso é possível e que ocorre em função do gênero de expiação. Adiantam o que veio a acontecer com frequência no Brasil fruto do nosso passado escravocrata, esclarecendo que “um senhor que tenha sido cruel com seus escravos poderá tornar-se escravo por sua vez e sofrer os maus-tratos que fez os outros suportar.” Além desta condição expiatória, a reencarnação pode se dar como uma missão com a finalidade de ajudar o progresso.
Fica evidente, portanto, que os espíritos aproveitam as diversas situações para promover a evolução, em qualquer raça, em qualquer situação, em qualquer época, sendo um contrassenso generalizar como inferior tudo que venha da chamada raça selvagem.
No livro “A Gênese”, Allan Kardec esclarece sobre outro aspecto igualmente interessante: a mudança da aparência astral. É pelo pensamento e pela vontade que os espíritos podem modificar, segundo sua intenção, a sua aparência espiritual. Textualmente, chega a afirmar que se um espírito “foi negro (numa encarnação) e branco na outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.”
Às vezes, mesmo que um espírito não tenha tido uma encarnação na pele negra, por este mecanismo de mudança de aparência astral, ele, se quiser, poderia se apresentar como um negro para atingir um objetivo específico, como é o caso dos chamados pais-velhos.
O termo Pai-velho talvez seja o mais apropriado para se referir aos espíritos que povoam as mesas mediúnicas espíritas – quando permitem que se apresentem.  Os pais-velhos, geralmente, são espíritos iniciados de antigas civilizações e exatamente por causa disso são respeitados pelos espíritos das sombras pelo seu domínio do conhecimento do magnetismo e do ectoplasma, e pela sua capacidade de atuar em desmanche de magia negra. Apresentam-se nesta forma astral para lembrar, no arcabouço atávico da população, a figura de alguém humilde, sábio, simples e experiente. Mais: esta aparência serve para combater o preconceito, quebrar barreiras raciais, religiosas, espirituais e sociais. De acordo com suas especializações espirituais e sua descendência de raiz cultural recebem sobrenomes diferenciados como do Congo, de Aruanda, de Angola, das Matas, das Almas etc.
FRATERNIDADE E ALTERIDADE NAS RELAÇÕES
Para se vencer o preconceito cultural e a ignorância doutrinária nos meios espíritas é imprescindível a vivência de duas condutas: a fraternidade e a alteridade.
Na dimensão dos espíritos, apesar de se agruparem por suas afinidades e identidades espirituais, o que prevalece é o compromisso no bem. Neste sentido, as divisões religiosas, raciais ou outras quaisquer, não têm a menor importância. Importa para eles é estar juntos para a prática do amor, numa relação fraterna. Espíritos ligados aos movimentos umbandistas, evangélicos, espíritas, católicos etc. dividem sua atuação em igrejas, templos, casas espíritas e tendas para ajudar ao próximo. Tudo pelo Cristo e pela urgência atual do período de transição planetária que se atravessa.
O filósofo espírita José Herculano Pires, em “Ciência Espírita”, defende que “Negros e índios têm o mesmo direito de colaborar nesta hora de transição, como brancos e amarelos. Mas sem a orientação segura do pensamento doutrinário, nas bases sólidas, lógicas e altamente culturais de Kardec, estaremos ameaçados de cair nos barrancos do caminho pelas mãos pretensiosas de cegos condutores de cegos.”
No caminho das relações alteritárias, o da convivência harmoniosa e construtiva entre os diferentes, oportuna é a observação do Pai João de Aruanda, no livro “Negro”, de Robson Pinheiro, principalmente para aqueles que temem uma suposta confusão entre o Espiritismo e a Umbanda, uma vez que é na Umbanda onde é mais comum a manifestação dos “pretos e pretas”: “Em matéria de espiritualismo, Umbanda ou Espiritismo, o que mais vale é a bandeira do amor e da caridade, sem preconceitos. União sem fusão, distinção sem separação.”
Em “Casa Grande & Senzala”, o sociólogo Gilberto Freyre tenta desmistificar a ideia de que no Brasil se teria uma raça inferior em função da miscigenação que aqui foi estabelecida, ao contrário, atribui a este fenômeno um ponto positivo na formação cultural brasileira, que é a sua singularidade. A transposição deste raciocínio é fundamental para o ambiente espírita à medida que resgata esta identidade espiritual vinda da África e que ganhou contornos próprios nesta terra que se propõe a ser o coração do mundo e a pátria do Evangelho.
A edificação da referência da práxis evangélica para a humanidade somente ocorrerá, no entanto, se criarmos um ambiente de convivência focada na inclusão, no respeito às diferenças, na prática real do amor. E amor, definitivamente, não se conjuga com preconceitos.
Saravá!
Carlos Pereira